Governo local está enfrentando fortes críticas por permitir a realização do festival Kumbh Mela — a Índia já ultrapassou 175 mil mortes por covid-19 e é o quarto país com mais óbitos relacionados ao coronavírus, atrás de EUA, Brasil e México
Beatriz Parente de Souza
Fonte: g1.globo.com
Em: 18/04/21
Nesta última semana, enquanto a Índia lutava com
uma devastadora segunda onda do coronavírus, milhões de devotos desceram
às margens do rio Ganges, na cidade de Haridwar, para dar um mergulho na água
durante o festival Kumbh Mela.
Os
praticantes do hinduísmo acreditam que o rio é sagrado e mergulhar nele os
purificará de seus pecados e trará a salvação.
Mas
o governo do estado de Uttarakhand, onde Haridwar está localizada, está
enfrentando fortes críticas por permitir a realização do festival Kumbh Mela em
meio a uma pandemia cada vez mais grave.
A
Índia já ultrapassou 175 mil mortes por covid-19 e é o quarto
país com mais óbitos relacionados ao coronavírus — atrás de EUA, Brasil
e México.
Uma
influente congregação hindu decidiu não participar do grande festival.
"O
Kumbh Mela acabou para nós", disse Ravindra Puri, um dos líderes da
congregação Niranjani Akhada, à mídia local.
A
decisão veio um dia depois que Swami Kapil Dev, líder de outra congregação
importante, morreu após ser diagnosticado com covid-19.
Multidões
Não
está claro quantos devotos do Kumbh Mela tiveram resultados positivos em exames
de covid-19 desde 11 de março, o dia em que os banhos no rio começaram.
Mas
o secretário de saúde de Haridwar, SK Jha, disse que mais de 1,6 mil casos
foram confirmados entre os devotos entre 10 e 14 de abril.
Há
temores de que os números possam ser ainda maiores e que muitos dos que
voltaram para casa possam ter levado a doença consigo para todo o país.
A
Índia confirmou mais de 14 milhões de casos e mais de 175 mil mortes
pelo vírus até agora. Em janeiro e fevereiro o país tinha tido uma queda
acentuada no número de casos, mas com os casos e mortes aumentando novamente,
os hospitais de todo o país estão relatando falta de leitos, cilindros de
oxigênio e medicamentos.
O
aumento nos casos, no entanto, não desencorajou as pessoas de comparecer ao
Kumbh Mela.
Ujwal
Puri, um empresário de 34 anos, chegou a Haridwar em 9 de março armado com
frascos de desinfetante, máscaras e pílulas de vitaminas.
Puri
diz que esperava verificações de segurança sanitária rigorosas. Mas não houve
checagens de temperatura ou pedidos de exames no aeroporto nem em Haridwar,
disse ele.
Uma
de suas fotos do festival mostra multidões nas margens, esperando para dar um
mergulho em uma das noites. Muitas pessoas podem ser vistas sem usar máscara ou
com a máscara puxada para baixo, sem cobrir a boca e o nariz.
"Não
houve distanciamento social", disse Puri. "As pessoas estavam
sentadas lado a lado para as orações sagradas da noite."
Ele
ficou no festival por três dias e tirou a máscara em público "apenas uma
vez para tirar uma selfie", disse ele. "Eu deixei nas mãos de
Deus."
Quando
voltou para Mumbai, Puri se trancou em um quarto e fez um exame para covid-19.
"Eu moro com meus pais, então tomei todos os cuidados que pude."
Evento superpropagador
Mas nem todos tem tomado essas medidas. Houve alertas
de que o Kumbh Mela poderia acabar se tornando um evento superpropagador.
"O Kumbh deveria ter sido adiado", diz o
historiador Gopal Bhardwaj. "Kumbh foi criado para proporcionar paz ao eu
interior. Como alguém encontraria paz interior se o seu ente querido está
infectado com Covid?"
Outros discordam. "Os comícios eleitorais não são
eventos de super propagação? Por que as lojas de bebidas estão abertas? Elas
não estão espalhando o coronavírus?", afirma Raghavendra Das, um religioso
que está no Kumbh Mela em Haridwar.
A situação gera medo nos moradores de Haridwar, que
temem que o fluxo de peregrinos os coloque em risco de contrair o vírus.
"Esses peregrinos voltam para casa em um ou dois
dias. Mas quem sabe o que eles deixaram para trás", diz Mithilesh Sinha,
morador de Haridwar.
O medo da contaminação levou Sachdanand Dabral, outro
morador local, a entrar com uma ação na Justiça indiana no ano passado
questionando o governo estadual sobre a possibilidade de aumento de casos.
Dabral culpou o governador de Uttarakhand, Tirath Singh
Rawat, pelo aumento dos casos, por permitir que as pessoas entrassem no Estado
sem controle.
O advogado de Dabral, Shiv Bhatt, fazia parte de um
comitê oficial nomeado pelo tribunal que visitou Haridwar em março para avaliar
os preparativos para o Kumbh Mela. Bhatt disse que os hospitais, incluindo um
centro de atendimento designado a covid, não tinham condições básicas de
funcionamento.
"Os banheiros e as enfermarias estavam em más
condições. Não havia panelas e latas de lixo. O elevador não estava
funcionando", disse ele.
Mas SK Jha, secretário de saúde estadual, disse que todas
as questões levantadas no relatório do comitê já foram corrigidas.
Enquanto isso, os devotos continuam a lotar as margens
do rio, muitas vezes sem máscaras e formando aglomerações, apesar da tentativa
de fiscais de fazer com que as pessoas cumpram as regras de segurança
sanitária.
Sandeep Shinde, um pintor de Mumbai, disse que gostou
de sua experiência com o Kumbh Mela no início deste mês. Alojado em um grande
salão compartilhado por cerca de 10 devotos, Shinde dormia em um colchão no
chão.
"Experimentar o mergulho sagrado foi lindo. Não
ouvi ninguém ao meu redor falando sobre corona. Ninguém estava falando sobre o vírus",
diz ele.
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